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Capítulo 8: A lei do destinatário
Capítulo 8: A lei do destinatário

Essa lei requer que consideremos de modo adequado quem, o que, quando, por que, etc., do assunto sob estudo. A primeira coisa que se deve considerar sob essa lei é A quem se dirige? Uma ilustração revelará a importância dessa lei. O mundo ” sim, até mesmo o mundo religioso ” tem em termos práticos concordado unanimemente que o caminho para o céu é pelas boas obras, mas nada é condenado com tanto vigor nas Escrituras como essa idéia. “Eu publicarei a tua justiça, e as tuas obras, que não te aproveitarão“. (Isaías 57:12) “Mas todos nós somos como o imundo, e todas as nossas justiças como trapo da imundícia;…“. (Isaías 64:6) “Por isso nenhuma carne será justificada diante dele pelas obras da lei,…“. (Romanos 3:20) “…pelas obras da leinenhuma carne será justificada“. (Gálatas 2:16) “Não pelas obras de justiça que houvéssemos feito, mas segundo a sua misericórdia, nos salvou”” (Tito 3:5) Essas e muitas outras passagens negam em termos nada ambíguos a idéia de que o homem pode de algum jeito se salvar por suas próprias obras. Isso sendo assim, de onde então é que vem a idéia tão comum no mundo de que as boas obras têm algo a ver com o homem sendo salvo” Como exemplo específico, é característica do homem natural querer confiar em si mesmo, e não depender somente em Deus. E a idéia de que sua confiança em suas próprias obras auxiliará na sua salvação vem porque, por negligência, ele não considera a Lei do Destinatário ao interpretar as Escrituras.

As Escrituras na verdade admoestam certas pessoas a aprender “também a aplicar-se às boas obras, nas coisas necessárias, para que não sejam infrutuosos”. (Tito 3:14)  Aqueles que confiam em suas próprias obras para se salvarem cometem vários erros: (1) Em nenhuma parte as pessoas recebem promessa de salvação pelas obras. (2) Aqueles que foram assim admoestados já creram para a salvação. (3) As “coisas necessárias” não são para a salvação, mas ao serviço a Deus. (4) As obras são “frutos” exigidos que todo cristão vivo deve produzir para a glória de Deus, conforme João 15:1-8, que se refere somente aos que estão “em Cristo” = pessoas salvas. Daí, (5) Aqueles que pensam que essas coisas se aplicam a eles se salvando por suas próprias obras violaram a Lei do Destinatário, e tentaram aplicar para si aquilo que não tem nenhuma aplicação para eles. A graça de Deus e as obras do homem são totalmente incompatíveis no que se refere à salvação. A salvação deve ser de um ou de outro, mas não pode ser de ambos, como mostra Romanos 11:6. E muitas outras passagens declaram que a salvação é somente pela graça mediante fé em Cristo, mas nenhuma a baseia em obras humanas.

E as Escrituras seguintes, todas ordenando boas obras, foram também todas escritas para ou por pessoas que já foram justificadas pela fé em Cristo, e salvas pela graça. “A obra de cada um se manifestará; na verdade o Dia a declarará, porque pelo fogo será descoberta; e o fogo provará qual seja a obra de cada um. Se a obra que alguém edificou nessa parte permanecer [em Cristo, versículo 11], esse receberá galardão [não a vida eterna]. Se a obra de alguém se queimar, sofrerá detrimento; mas o tal será salvo, todavia como pelo fogo”. (1 Coríntios 3:13-15) Isso foi escrito “À igreja de Deus que está em Corinto, aos santificados em Cristo Jesus, chamados santos, com todos os que em todo o lugar invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso”. (1 Coríntios 1:2) E até o versículo 15 acima mostra que a salvação não é a questão mencionada das obras, pois aqueles cujas obras se queimaram são, apesar disso, salvos. Obviamente, então, as obras de um homem não têm relevância para a salvação. Veja então a importância de se observar a Lei do Destinatário.

“Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie; Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus PARA AS BOAS OBRAS, as quais Deus preparou para que andássemos nelas”. (Efésios 2:8-10) Aqui, obras devem ser o resultado e fruto da salvação, não sua causa, pois como mostra o versículo 1, até que o homem tenha sido espiritualmente ressuscitado ” vivificado ” ele está espiritualmente morto, e assim incapaz de fazer qualquer coisa espiritual, exceto se deteriorar mais. Além disso, qualquer obra que é feita por motivos egoístas perde seu valor aos olhos de Deus, conforme Jesus ensinou em Mateus 6:1, 5, 16, mas os homens professam fazer essas boas obras a fim de serem salvos, que é uma razão egoísta.

“Fiel é a palavra, e isto quero que deveras afirmes, para que os que crêem em Deus procurem aplicar-se às boas obras; estas coisas são boas e proveitosas aos homens”. (Tito 3:8) Essa referência a obras claramente se limita aos crentes, ou pessoas salvas, e eles são os únicos para os quais as boas obras são proveitosas, como uma comparação com Isaías 57:12 mostra.

Talvez de todas as passagens em que se confia para ensinar salvação pelas boas obras, Tiago 2:14 seja a favorita. “Meus irmãos, que aproveita se alguém disser que tem fé e não tiver as obras” Porventura a fé pode salvá-lo”” Aqueles que vêem esse texto como ensinando salvação pelas obras do homem não só violam a Lei do Destinatário, mas também a Lei do Contexto. Por sete vezes antes disso, nesse livro, a palavra “Irmãos” aparece, e isso é quase sempre uma evidência de uma declaração sendo dirigida aos cristãos. Mas evidência ainda mais forte do que essa, se referindo a crentes, se encontra em Tiago 2:1, onde eles são admoestados a ter “a fé de nosso Senhor Jesus Cristo”, e 2:5, onde se diz que eles são “ricos em fé”. O contexto de Tiago 2:14 mostra que Tiago estava simplesmente mostrando que obras serão o fruto natural da fé genuína em Cristo, que a verdadeira fé não é uma fé morta, mas uma fé viva, e que a fé verdadeira será justificada aos olhos do homem só pelas boas obras. Não é exatamente qualquer tipo de fé que é indicada aqui, pois a tradução literal do versículo 14 é “”pode essa fé salvá-lo”” Isso é, uma fé que não tem obras que confirmem, pois tal é uma “fé morta”, versículo 26.

Outra coisa envolvida na Lei do Destinatário é se determinada declaração foi escrita apenas à geração então viva ou se tem aplicação para gerações futuras. 1 Pedro 1:10-12 sustenta essa questão: “Da qual salvação inquiriram e trataram diligentemente os profetas que profetizaram da graça que vos foi dada, indagando que tempo ou que ocasião de tempo o Espírito de Cristo, que estava neles, indicava, anteriormente testificando os sofrimentos que a Cristo haviam de vir, e a glória que se lhes havia de seguir. Aos quais foi revelado que, não para si mesmos, mas para nós, eles ministravam estas coisas que agora vos foram anunciadas “”

Um dos erros comuns que muitos professores liberais e modernistas fazem é presumir que os profetas do Antigo Testamento geralmente falavam só para sua própria época, e com relação somente às questões locais. Por isso, muitos deles tentam roubar todos os crentes posteriores do consolo de muitas das antigas promessas que Deus deu. É claro, o problema deles é que eles têm um deus bem pequeno, fraco e ignorante que não se pode permitir que seja onisciente, onipresente e onipotente, e assim não pode falar a qualquer geração, exceto a uma geração que pode observar e reagir na época. Mas tal não é o Deus das Escrituras.

Vê-se que a Lei do Destinatário é muito importante na interpretação bíblica, pois se tentarmos aplicar uma Escritura a alguém a quem não se aplica, o resultado poderá ser só confusão. Mas de novo, deve-se considerar essa Lei a partir do ponto de vista do que se fala, pois se aplicarmos uma Escritura a algum assunto ao qual não se aplica, e ao qual não tem nenhuma relevância, o resultado será uma interpretação incorreta dela. Pode-se ilustrar isso pelo esforço dos pedobatistas para arrancar das Escrituras uma confissão da legitimidade do batismo infantil quando as Escrituras não falam disso em parte alguma. T. P. Simmons bem diz disso:

Com exceção do alegado batismo de bebês em batismo de família, que não trataremos no momento, não há nas Escrituras a mínima semelhança de indício de que bebês tenham em alguma ocasião sido batizados. Já se disse de modo impressionante que passagens que são usadas pelos defensores do batismo infantil caem em duas categorias. Uma categoria menciona batismo, mas não menciona criancinhas. Outra categoria menciona criancinhas, masnão menciona batismo. Uma terceira categoria não menciona nem criancinhas nem batismo“. ”A Systematic Study of Bible Doctrine (Um Estudo Sistemático da Doutrina Bíblica), p. 437, Edição em Português, 1985.

Se tentarmos forçar uma Escritura a dizer algo que não estava na mente do Escritor Divino ao dar essa Escritura, então o resultado é que essa Escritura será distorcida de seu contexto, e arrancada de sua harmonia com todo o resto da Palavra. A conseqüência só poderá ser má interpretação e confusão para todos os que aceitarem essa interpretação distorcida. Alguém disse muito bem: “Devemos deixar as Escrituras dizerem o que pretendem dizer”.

Finalmente, essa Lei do Destinatário também tem a ver com a pergunta:Quando ou Sob que circunstância a Escritura em questão foi dita” Pois circunstâncias podem ter um grande efeito no sentido de um versículo ou passagem das Escrituras. Podemos ilustrar isso de um evento na vida de Paulo. Em 1 Coríntios 2:2 Paulo declarou: “Porque nada me propus saber entre vós, senão a Jesus Cristo, e este crucificado”. Algumas pessoas, não considerando as circunstâncias presentes, têm considerado isso como justificando-as em pregar nada de natureza doutrinária em ocasião alguma, mas como incentivando só mensagens evangelísticas. Mas tal não era a intenção de Paulo nem era isso a sua prática, pois ele pregava mensagens doutrinárias bem fortes, até mesmo para os coríntios carnais. As circunstâncias do escrito dessas palavras mostram que quando Paulo foi a Corinto pregar o Evangelho, ele estava no ponto mais baixo da sua vida ministerial, pois ele havia acabado de ter um dos retrocessos mais graves de sua vida inteira. Uma comparação de 1 Coríntios 2 com Atos 17:16-18:1 revela que enquanto estava em Atenas antes de chegar a Corinto, Paulo havia pregado o Evangelho. Mas ele havia evidentemente tentado pregá-lo aos atenienses, não em sua simplicidade local, mas em termos intelectuais contemporâneos de acordo com o intelectualismo dos atenienses. Ele chegou ao ponto de citar poetas pagãos para confirmar o Evangelho, Atos 17:28-29. O resultado foi que em Atenas, a pregação de Paulo foi menos bem sucedida do que em qualquer outro lugar em que ele pregou. Foi, aliás, quase um fracasso deprimente, pois só um punhado de pessoas se converteu. E se houve um número suficiente para que se organizasse uma igreja ali, jamais se faz menção a ela. Isso foi o que fez com que Paulo escrevesse a declaração de 1 Coríntios 2:2. Ele simplesmente queria dizer que de agora em diante quando ele pregasse o Evangelho, seria na simplicidade do Evangelho, e não “com sublimidade de palavras ou de sabedoria”, como foi feito aos intelectuais de Atenas, 1 Coríntios 2:1.

Uma boa parte do Novo Testamento faz citações do Antigo Testamento, e só é possível compreendê-lo de forma plena se considerarmos as circunstâncias do texto original. Portanto, é muito importante no esforço para interpretar qualquer passagem das Escrituras considerar as circunstâncias presentes no momento em que a declaração original foi entregue.